sexta-feira, 11 de março de 2016

Adeus Naná



Naná Vasconcelos é sepultado no Cemitério de Santo Amaro, no Recife
Percussionista faleceu na última quarta-feira (9) após 10 dias internado.
Amigos, parentes e admiradores deram último adeus ao músico nesta quinta.
Do G1 PE







 Naná Vasconcelos é sepultado no Recife (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Ao som de batuques, de canções do folclore nordestino e gritos de 'Viva Naná', o corpo do percussionista Naná Vasconcelos foi enterrado nesta quinta-feira (10), pouco depois das 11h, no Cemitério de Santo Amaro, área central do Recife. Flores foram jogadas em cima do caixão antes de o túmulo ser selado. O músico faleceu na última quarta-feira (9), após complicações de um câncer de pulmão descoberto há sete meses.

Parentes, amigos e admiradores acompanharam o ato com músicas e palmas. O cantor Otto, que ajudou a carregar o caixão na entrada do cemitério, fez questão de lembrar da generosidade do ídolo e o trabalho que ele desenvolvia para as crianças. "(Ele era) pai da música, de todas as gerações. É um rei que chegou aqui em Pernambuco. Sempre estava aberto para os novos, essa coisa linda que ele era", declarou.

Outro admirador é o cantor Lira. Para ele, Naná era "o maior de todos" e cosmopolita. "Ele derreteu as fronteiras entre o regional e o universal. Alforriou e libertou os estreitos criados para os negros e índios, livrando-os dos estereótipos. Ele trouxe a luz, o protagonismo, a influência dele é gigantesca na estética da música daqui e do mundo. Ele solfejava todos os solos de Jimmy Hendrix", contou.
 Nações de maracatu prestaram homenagem a Naná durante seu enterro (Foto: Artur Ferraz/G1)

Depois que o túmulo foi selado, foram cantadas músicas religiosas, tanto do universo católico quanto da cultura africana. Um flautista ainda tocou uma canção medieval e convidou todos os presentes a cantar o Hino Nacional. Em seguida, as nações de maracatu executaram uma loa em homenagem ao artista. O túmulo ficou coberto de 
flores. 

O maestro Spok também foi ao enterro prestigiar o mestre. Segundo ele, Naná deixa um legado infinito. "Ele deixou o infinito, uma obra que não acaba nunca. Qualquer um que conviveu com ele vai beber da música que fazia. Foi uma sorte ter convivido com ele, muito aprendizado. Tinha um amor intenso por tudo que viva. Era uma alegria", revelou.

Já o artista plástico e arte-educador Luiz Botelho não esquece os momentos em que se encontrou com o ídolo. "Desde criança acompanho o trabalho dele. Naná é um homem dentro da cidade. Ele era pura música, pura poesia. Tudo o que fazia som, de panela a penico velho, ele transformava em arte. Tudo para ele era agrupar no sentido de som, de vibração", disse.

Cortejo
Após muitas horas de homenagens de parentes, amigos e fãs, o cortejo com corpo do percussionista Naná Vasconcelos, de 71 anos, deixou, às 10h, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), no Centro do Recife, em direção ao Cemitério de Santo Amaro, também na capital pernambucana.O caixão foi levado em carro aberto pelo Corpo de Bombeiros

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O artista, que morreu na manhã de quarta-feira (9), foi velado no plenário da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Naná ficou 10 dias internado no Hospital da Unimed III e não resistiu a complicações de um câncer de pulmão.

O plenário da Assembleia de Legislativa (Alepe) ficou lotado desde cedo, nesta quinta-feira (10), para as últimas homenagens ao percussionista. Antes de o cortejo seguir em direção ao Cemitério de Santo Amaro, diversas apresentações de artistas e nações de maracatu foram realizadas.

 Amigos e familiares seguem a pé da Assembleia em direção ao cemitério (Foto: Artur Ferraz/G1)

A musicista Íris Vieira, da Orquestra Sinfônica de Pernambuco, tocou a música 'Trenzinho Caipira', de Villa-Lobos, acompanhada pelo grupo de percussão Batucafro. Depois, o poeta cearense Israel Batista declamou o poema que fez em tributo ao percussionista, 'Louvor a Naná'.

A representante do Movimento Nacional do Quilombo Raça e Classe, Rosália Nascimento, também recitou um texto que fez em reverência ao músico. Durante o pronunciamento, ela destacou a importância de Naná para a população de origem africana. "Salve, salve, Naná, você mostrou que o negro pode ocupar todos os espaços. Vai deixar para nós a sua história, a sua música. Naná, sempre presente, hoje, amanhã e sempre", ressaltou.

Em seguida, o pai de santo Raminho de Oxóssi conduziu uma cerimônia com vários grupos religiosos de matriz africana. "Que Deus lhe dê o descanso eterno", desejou ao som de aplausos e batucadas. Ao fim do culto, um pequeno coral formado por cinco cantoras, clarins da Orquestra Sinfônica e percussionistas entoaram canções do artista e de ritmos afro-brasileiros.

 Luz Morena, filha de Naná Vasconcelos, toca o rosto do pai durante velório do percussionista na Assembleia Legislativa. Ao lado dela, Patrícia Vasconcelos, viúva de Naná (Foto: Aldo Carneiro/Estadão Conteúdo)

Velado desde ontem
O velório de Naná Vasconcelos teve início às 14h30 da quarta-feira (9). Consternadas, a viúva do percussionista, Patrícia Vasconcelos, e filha do casal, Luz Morena, se emocionaram com a chegada do caixão e receberam o carinho de pessoas ligadas à família. "Ele partiu fazendo música no quarto do hospital nos últimos dias da vida dele. Ele vivia a música respirava a música. Todo momento que falava sobre isso se sentia melhor. Espalhou muito amor e muita música pelo mundo todo. Essa é uma perda material, mas a música vai ficar. Ele deixa humildade como lição. Respeito ao próximo", disse a esposa Patrícia.




A mulher de Naná fez questão de destacar o trabalho que realizou junto a crianças e o legado que deixará, apesar de sua morte. "Como músico o trabalho que ele faz com crianças. Essa musicalidade se transporta para todas as idades. Era uma missão de vida se preocupar com o futuro de crianças que moravam na rua, que tinham problemas de deficiência. A gente descobriu a doença muito avançada. Já tínhamos viagem marcada para Nova Iorque (Estados Unidos) mas não deu tempo. Mas a equipe médica aqui foi muito competente e ele sempre muito positivo, querendo viver", acrescentou.

A filha do casal, Luz Morena, 16, disse que leva do pai um exemplo de humildade e força. "Ele me dá muita força sempre. Ele me chamou na UTI e me disse que eu seguisse meu sonho, que é estudar design de moda fora do país. Tenho muito orgulho da obra e da pessoa que ele foi", disse a filha com serenidade.

A outra filha do percussionista, Jasmin Azul, 21 anos, mora em Nova Iorque. A cerimônia foi aberta ao público. A população teve acesso ao plenário da Casa de José Mariano até a manhã da quinta-feira (10), antes do cortejo partir rumo ao Cemitério de Santo Amaro, também na área central do Recife, onde acontecerá o enterro de Naná Vasconcelos.

 Velório do percussionista Naná Vasconcelos acontece no Recife (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Na coroa de flores que veio junto com o corpo de Naná, havia a inscrição "Amém e amem". Segundo o contra-regra de Naná, Edelvan Barreto, essa era a mensagem que ele queria deixar para o mundo. "Amém e amem ele compôs da primeira vez que se internou no ano passado. Essa música deve se propagar em toda a humanidade nesse mundo perturbado que vivemos hoje. Essa era lição que Naná queria deixar para todos nós".

Os famosos tambores de Naná não estiveram presentes durante seu velório. Seu fotógrafo e amigo João Rogério Filho disse que o prédio da Alepe, por ser um patrimônio histórico e tombado tinha restrições. "Aqui tem uma restrição com instrumento de percussão. A batida forte pode subir e danificar a estrutura do prédio".

 Maracatu Nação Pernambuco fez homenagem a Naná na área externa da Alepe
(Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press)

Apesar disso, o Maracatu Nação Porto Rico levou as alfaias para a área externa do prédio e fez uma homenagem ao percussionista, relembrando Naná como símbolo da união dos maracatus de Pernambuco. ‘Toque o tambor que Naná chegou. Todas as nações vêm saudar nesse carnaval’, estava entre as letras entoadas pelo grupo, liderado por mestre Chacon Viana.


A esposa e a filha de Naná Vasconcelos com o
mestre Chacon Viana (D) (Foto: Malu Veiga / G1)
"Naná deixava bem claro que não tem mestre, nem ninguém melhor, o mestre é só o do céu. Com seu papo pé no chão ele conseguia que as nações do estado se unificassem e se tornassem uma só. Ele tinha uma coisa que Deus que deu. Ele não precisava se sacrificar tanto, ele já tinha nome. Mas ele trabalhava o Carnaval inteiro, mesmo na quimioterapia ele frequentava as comunidades, trabalhava com as crianças”, recordou Viana.

Integrantes da Orquestra Criança Cidadã também fizeram uma apresentação em homenagem a Naná durante o velório. O presidente da Alepe, deputado Guilherme Uchoa destacou o patrimônio cultural que o percussionista era para o estado. "Ele é um exemplo para essa juventude que hoje o sucede. Ele deixou um exemplo forte da cultura pernambucana no exterior. Ele resistiu à doença até os últimos minutos da vida e vai deixar uma lacuna impreenchível”, afirmou.

O prefeito do Recife Geraldo Julio também esteve presente no velório e reforçou que o legado do percussionista é um presente a cultura de Pernambuco. "Naná já foi reconhecido várias vezes como melhor percussionista. Convivi muito com ele. Fica o ensinamento dele, toda a arte, o talento e a cultura para marcar nossa cidade e inspirar muita gente para seguir os passos".

 Amigos músicos fazem homenagem a Naná Vasconcelos na Alepe (Foto: Malu Veiga / G1)

O músico Zé da Flauta chegou a conversar com Naná na terça (8). Segundo ele, o estado do percussionista já era fragilizado. "Ele fazia um esforço danado e não podia pra falar. Eu sai muito abalado de lá e acordei com essa notícia. Eu chamava ele, meu grande amigo, de "Butimbundo". É uma expressão africana para dizer que a pessoa é muito inteligente. Ele me chamava assim também", recordou.

A risada do músico é o que vai ficar na memória do Maestro Forro. "Minha lembrança mais marcante, além de ser um gênio musical, era da sua risada. Ele acabava com qualquer embate, qualquer divergência, só rindo. Ele vai ficar vivo em nossos corações como um dos melhores exemplos de resistência, de luta", afirmou Forró.

Para o músico Ed Carlos, conhecer Naná mudava a vida de qualquer pessoa. "Aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo não são mais as mesmas pessoas. Assim foi comigo. Tive o privilégio de estar ao lado dele e hoje me sinto mais gente por isso. Só digo uma coisa: Naná é pra sempre", disse.

 Maestro Forró abraça a filha caçula de Naná Vasconcelos, Luz Morena, no velório que acontece na Alepe nesta quarta-feira (9) (Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press)
Luto oficial

No fim da manhã de quarta-feira (9), o governador Paulo Câmara decretou luto de três dias pela morte do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos. O artista que faleceu na manhã desta quarta-feira em decorrência de complicações de um câncer de pulmão, no Hospital Unimed III, onde estava internado desde o último dia 29. A morte do artista pernambucano foi confirmada no início da manhã. Segundo informações da assessoria da unidade de saúde, Naná teve uma parada respiratória, passou por um procedimento, mas não resistiu e faleceu às 7h39.

Além do decreto, o chefe do Executivo estadual divulgou nota falando sobre o artista. "Pernambuco acordou triste. O silêncio causado pelo desaparecimento de Naná Vasconcelos em nada combina com a força da sua música, dos ritmos brasileiros que ele, como poucos, conseguiu levar a todos os continentes. Naná era um gênio, um autodidata que com sua percussão inventiva e contagiante conquistou as ruas, os teatros, as academias. Meus sentimentos e a minha solidariedade para com os seus familiares”, diz o texto.

 Coroa de flores enviada por Elba ao velório de Naná Vasconcelos (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

A morte de Naná gerou grande repercussão entre a classe artística e política. Figuras como Lenine, Alceu Valença e Gilberto Gil, deram depoimentos sobre o legado deixado pelo pernambucano. O músico Marcelo Melo, da banda Quinteto Violado, um dos primeiros a chegar ao velório de Naná, lamentou o falecimento do colega. "A gente se conheceu nos anos 60. Tínhamos um quarteto vocal chamado O Bossa Norte. Naná era uma pessoa muito querida, muito amiga. Eu assumi o Quinteto e ele a vida dele. Eu tinha muito carinho por ele e era um talento muito grande".

sexta-feira, 4 de março de 2016

Beleza em sons



LADYSMITH BLACK MAMBAZO (África do Sul)





Formado no início da década de 1960, o Ladysmith Black Mambazo é um grupo vocal masculino cujo repertório é integrado por ritmos tradicionais da África do Sul. Uma mistura melodiosa de pertencimento, saudade e esperança permeia as canções destes artistas que ganharam destaque em todo o mundo ao participarem do álbum do cantor e compositor norte-americano Paul Simon, Graceland, lançado em 1986 e agraciado com três Grammy Awards.

Criado por Joseph Shabalala, o conjunto segue ensinando as pessoas, ao redor do mundo, sobre a África do Sul e sua cultura. Foi assim nas mais recentes turnês da Ladysmith Black Mambazo por países como Inglaterra, Escócia, Rússia, Irlanda, China e Estados Unidos. E promete ser também assim no Brasil, onde o grupo desembarca pela segunda vez. O show no Canoas Jazz será o primeiro a ser feito pelos músicos no Rio Grande do Sul. Em 2014, celebraram 50 anos de uma música prazerosa e edificante, com ritmos e harmonias intrincadas da mais pura tradição seu país. O grupo vocal à cappella criou um som que cativou audiências por todo mundo, acumulando elogios e honras de povos, organizações e países.

O título do conjunto vem de Joseph, que na década de 1960 era um jovem menino de fazenda que virou operário. Ele combinou seu nome com o de sua cidade natal Ladysmith e a palavra Black, uma referência ao boi, o mais forte animal das fazendas, além de  Mambazo, que vêm do dialeto zulu e traduz a habilidade do grupo para o “chop down”, quando venciam qualquer um que desafiasse este seu poder.

Um programa de rádio em 1970 abriu as portas para seu primeiro contrato de gravação – o principio de uma discografia ambiciosa que hoje inclui mais de cinquenta gravações. Sua filosofia em estúdio era, e continua sendo, não só preservar a herança musical como entreter. O grupo se inspirou em uma música tradicional chamada isicathamiya, que se desenvolveu nas minas da África do Sul, onde trabalhadores negros eram levados de trem para trabalhar longe de seus lares e familiares. Eles se entretinham, depois de seis dias de trabalho na semana, cantando canções nas madrugadas dos domingos. Quando os mineiros retornavam a suas terras natais, esta tradição musical voltava com eles.

Durante os anos 1970 e 1980, Ladysmith Black Mambazo estabeleceu-se como o mais bem sucedido grupo vocal da África do Sul. Na metade dos anos 1980, Paul Simon visitou a África do Sul e incorporou as ricas harmonias vocais do grupo ao seu famoso álbum Graceland, um disco seminal que introduziu a world music ao mainstream. Um ano depois, Paul Simon produziu o primeiro disco do grupo que teve lançamento mundial, Shaka Zulu, vencedor do Grammy de Melhor Gravação Folk, em 1988. Desde então, o grupo conquistou mais dois Grammy, com Raise your spirit higher (2004) e Ilembe (2009) e foi indicado mais 15 vezes ao prêmio.

Além de seu trabalho com Paul Simon, o grupo gravou com vários artistas, incluindo Stevie Wonder, Dolly Parton, Sarah McLachlan, Josh Groban, Emmylou Harris e Melissa Etheridge. O conjunto apareceu também no vídeo Moonwalker, de Michael Jackson, e no filme Do It A Cappella, de Spike Lee. Eles tem fornecido trilha sonora também para diversos filmes, como O Rei Leão, Parte II (Disney) Um Príncipe em Nova Iorque (Eddie Murphy), Assassinato sob Custódia (Marlon Brando), A Liga Extraordinária (Sean Connery), Os Deserdados (James Earl Jones ) e Invictus (Clint Eastwood). Um documentário intitulado On Tip Toe: Gentle Steps to Freedom, que conta a história do Ladysmith Black Mambazo, foi indicado ao Academy Award. O grupo apareceu também na Broadway e foi indicado ao Tony Awards e venceu um Drama Desk Award. Mais recentemente, fizeram parte de shows do The Family Guy e do filme Mean Girls (But you love Ladysmith Black Mambazo).

Em 2013, o grupo realizou Live: Singing For Peace Around The World, uma coletânea de canções gravadas durante suas turnês mundiais de 2011 e 2012. Em dezembro de 2013, o CD foi indicado para Grammy Awards na categoria Best World Music CD de 2013. Em 2014, o grupo gravou seu novo disco Always With Us, um tributo a matriarca do grupo Nellie Shabalala, esposa de Joseph Shabalala, que faleceu em 2002. Esta coleção de canções foi gravada por Nellie com seu coro de igreja em 2001, e o grupo gravou suas vozes com as canções de Nellie, num lindo tributo a sua vida e memória.